CARMELO NICOSIA | Itália | https://www.carmelonicosia.com/
Casa da Cultura de Avintes | 2 a 30 de outubro de 2021
Segunda-feira a Segunda-feira: 10h00 – 18h00
Carmelo Nicosia nasceu em Catania1960.
Licenciado em Química Farmacêutica com tese sobre “Fotoquímica dos elementos”. Diretor da escola de fotografia da Academia de Belas Artes de Catânia. Diretor da Academia de Belas Artes de Catânia de 2006 a 2012. Consultor fotográfico de diversas organizações nacionais e internacionais. Realiza regularmente cursos e seminários sobre “Análise e Design na Fotografia Contemporânea”, com especialização em Antropologia Visual, em universidades e fundações italianas e estrangeiras. Desde 2000 tem estado envolvido em numerosos projectos internacionais, editoriais e expositivos de carácter socio-antropológico, com particular atenção aos temas da identidade, memória, fenómenos colectivos e relação com a história. Desde 2010 ativa o projeto Parola-Visione com uma série de pesquisas que analisam a relação entre fotografia e escrita. Carmelo Nicosia é considerado um dos grandes autores da nova fotografia italiana, um elo entre a tradição socio-antropológica e a pesquisa em novas mídias. Suas obras estão preservadas nas mais importantes coleções italianas e estrangeiras e expostas na Europa e América. Actualmente ocupa o cargo de Diretor Artístico da Fundação Oelle Mediterraneo Antico.
EXPOSIÇÃO: O RUGIDO E A CANÇÃO
© Carmelo Nicosia
PT
Há uma voz imemorial nestas paisagens, na pronúncia da água quando se aquieta ou encrespa, o sol e na névoa que são alegorias do começo do mundo. Podemos inventar ao barco, a hora, a sombra que fica no cais à espera de uma rosa, o crepúsculo e a árvore da infância, outra vez caligrafando a música do reencontro. O voo das narcejas muito ao longe, antes dos pássaros no litoral. Uma arca para as sensações e o seu desenho a reacender-se. Os gestos de quem amamos: inscritos na areia como se casca do eterno. Nas casas além do molhe deixaremos a chuva, o recolhimento, certa manhã de passos errando pelas ruas e um nome à deriva. Com os metros tocaremos o sal de todas as viagens por arquivar, frémitos que são o acontecer e não o das lembranças. Diremos ao espaço minimal que sabemos o orvalho da construção, vamos narrando uma estória própria sobre as películas à distância do sopro e do desafio. Nesse jeito de descoberta, revista, digressão, os ícones observados não se confinam ao perímetro do denotativo: acompanham, pontuando e amiúde sugerindo, uma aventura que afinal se faz nossa. Aquela face a iluminar-se no caminho do horizonte é, por exemplo, heterónima da que tivemos um dia, após o júbilo, enquanto procurávamos novas fogueiras para a madrugada. As cores esbatidas enunciam porventura quando silenciamos, instantes de sobressalto, vésperas, levitações.
E o mar. Um deserto azul, o lugar onde erguer a cada primordial, a raíz do vento. O rugido e a canção, o enternecimento, a dor. O rosto da terra numa vertigem de espuma. A sílaba átona e a utopia. Nunca um coração foi dedicado sem a sua jornada entre o abismo e a clareza.
José Manuel Mendes
Abril de 1995
ENG
There is an immemorial voice in these landscapes, present in the sounds of water when it runs quiet or rough, or even in the sun and mist that are allegories of the beginning of the world. We can attribute to a boat, its time, its shadow that sits on the dock waiting for a rose, the twilight and the childhood tree, once again handwriting the music of this reunion. The flight of snipes far away, before the birds on the coast. An ark for all the sensations and its shape being rekindled. The gestures of those we love: inscribed in the sand as if it was the shell of the eternal. In the houses beyond the jetty, we will leave the rain, the refuge, in a morning of wandering footsteps through the streets and with a name adrift. Trhough the metres we will touch the salt of all unarchived trips, thrills that represent the happening and not the serious part of memories. We will announce to the minimal space that we know the dew of construction, and we will narrate our own story about the films at a distance from the breath and the challenge. In this way of discovery, review, digression, the observed icons are not confined to the perimeter of the denotative: they accompany, punctuating and often suggesting, an adventure that ultimately becomes ours. That face lighting up on the path of the horizon is, for instance, a heteronymous to the one we had one day, after the jubilation, while we were looking for new bonfires for the dawn. The faded colours may enunciate when we silence moments of agitation, vespers, levitations.
And the sea. A blue desert, the place where it can be raised each primordial, the root of the wind. The roar and the song, the tenderness, the pain. The face of the earth in a vertigo of foam. The unstressed syllable and utopia. Never a heart was devoted without its journey between abyss and clarity.
José Manuel Mendes
April 1995